Mercado secundário só depois de 2010
A criação de um verdadeiro mercado secundário de private equity
em Portugal ainda vai levar entre cinco a dez anos. Os agentes
do sector acreditam que a abundância de capital disponível para
investir atrairá mais investidores e fará subir os preços. Mas,
para que isso possa acontecer, é preciso criar primeiro um
mercado primário de private equity à séria, porque o número de
operações continua a ser muito reduzido
POR LUIS BATISTA GONÇALVES

© Mediateca da
Comissão Europeia |
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Portugal não terá um verdadeiro mercado secundário de private
equity antes de 2010 ou mesmo 2015. Essa é, pelo menos, a
convicção de François Bernardeau. "Vemos no vosso país a mesma
evolução que houve nos EUA há 15 anos e em França há cinco. Das
estruturas de capital de investimento, de capital de
desenvolvimento e de capital de risco, que são sociedades que
não são liquidantes, passa-se para estruturas que são
auto-liquidantes e assistiremos, em Portugal, à criação de
parcerias entre os detentores destes fundos, parcerias essas que
vão atrair investidores.
Esse investimento nas empresas portuguesas desenvolver-se-á
e surgirá um mercado secundário que tornará estes investimentos
líquidos. Parece-me que esta é a evolução natural, mas esse
processo demorará entre cinco a dez anos", disse ao
PortalExecutivo, à margem do segundo dia do VCIT – 5º Congresso
Internacional de Capital de Risco, o presidente da Natexis, uma
sociedade gestora de fundos e participações ligada à Banque
Populaire, um dos seis maiores bancos franceses.
François Bernardeau assume que não conhece a
realidade portuguesa, mas, apesar dos atrasos com que as coisas
estão a acontecer, não tem dúvidas. "A evolução não está a ser
diferente do que aconteceu na Europa", sublinha o empresário
que, em 1975, investiu num negócio de brinquedos que só este ano
conseguiu vender a uma companhia maior. "O private equity é um
activo muito ilíquido. Muitas vezes, tiram-se dividendos, mas
nunca se tem a certeza que venha a ter liquidez. Estas
transacções secundárias constituem uma oportunidade para o
vendedor, porque ajudam-no a obter liquidez para os seus
investimentos. Os lucros são bons, se se souber negociar, mas
não deixa de haver risco", afirmou, durante a sua intervenção,
subordinada ao tema "O papel emergente dos mercados
secundários".
Nos últimos 10 anos, o mercado primário de private equity
movimentou 800.000 milhões de dólares, 500.000 dos quais desde
1999. A esmagadora maioria das operações – cerca de 75 por cento
– teve lugar nos EUA, mas na Europa o número também tem vindo a
crescer. Menos desenvolvido ainda, o mercado secundário segue a
mesma tendência. Os valores é que estão muito abaixo. "Entre
3.000 a 5.000 milhões de dólares são anualmente angariados por
fundos secundários especializados", garantiu. "Este está-se a
tornar um mercado cada vez mais importante, mais dinâmico e
competitivo. Está a tornar-se num verdadeiro mercado de
liquidez. E, como há cada vez mais dinheiro a ser investido,
haverá cada vez mais investidores e os preços sofrerão uma
evolução no sentido ascendente", referiu.
Dinheiro para investir é o que não falta
Apesar das crises em que Portugal continua a estar mergulhado,
dinheiro é coisa que não falta a quem gere fundos de private
equity. "Há bastante capital disponível", assumiu mesmo João
Arantes de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de
Capital de Risco e de Desenvolvimento (APCRI). O problema está
na maneira como este continua a ser encarado, num país com pouca
dimensão para valorizar este tipo de instrumentos e com um
quadro regulador que nem sempre incentiva este tipo de
operações. "O sistema fiscal, definitivamente, não as estimula.
Temos um sistema permanentemente em mudança e não há
estabilidade que permita aos investidores saberem com o que
podem contar", declarou ao PortalExecutivo Alexandra Courela,
advogada da Abreu, Cardigos & Associados, momentos após a sua
intervenção no painel "Turnaround management: Corporate
ventures, MBO e MBI".
Esse não é, no entanto, o único problema. "Os nossos mercados
são muito fragmentados e faltam-nos business angels e stock
markets mais eficientes", lamentou também Antoine Garrigues. O
managing partner da Iris Capital Management, a sociedade
detentora do fundo onde a PT acaba de entrar, aconselha quem
investe noutras empresas a "tornar mais eficiente o seu
portfólio", "a assumir uma maior partilha do risco" e a
"preparar melhor as saídas", um cuidado que muitos ainda não
têm. "Em Portugal, ainda não nos vamos preocupando muito com as
questões de retorno", afirmou João Arantes de Oliveira, momentos
depois de ter criticado a forma como o capital de risco continua
a ser visto por muitos dos agentes do mercado. "Faz-me confusão
a ideia do apoio. Temos de perdê-la. Isto é um negócio",
sublinhou.
"Estes não são instrumentos de apoio. Não somos uma instituição
de benemerência", reforçou também, na intervenção seguinte,
Jorge Bártolo. O presidente da comissão executiva da API
Capital, que fez questão de referir que só há poucos meses
entrou no mundo das sociedades de capital de risco, reconhece
que o seu passado ligado ao empresariado influencia a sua visão
do sector, mas não tem quaisquer dúvidas. "Portugal precisa de
uma economia de empresários. A que temos está longe de o ser. É
uma economia de trabalhadores e consumidores, opaca. Estamos
longe de ter um mercado. Há um conjunto de instrumentos que não
se encontram. Não há um alinhamento entre a oferta e a procura",
lamentou o investidor, que no final do ano passado ajudou a
criar dois novos fundos num total de 47 milhões de euros. "Somos
cada vez mais gestores de fundos e menos de participações",
assumiu.
Políticas empresariais sem alinhamento estratégico
condicionam o desenvolvimento do sector
A falta de alinhamento estratégico nas políticas empresariais
que têm vindo a ser seguidas também tem condicionado o
desenvolvimento do sector. "Não há uma focalização, nem
objectivos rigorosos que permitam criar uma dinâmica diferente.
A gestão tem de passar a ser mais virada para a tesouraria e
para o cash. Muitos investidores vão à boleia. É o que sinto",
confessou Rui Ferreira, administrador da Inter-Risco, uma
sociedade de capital de risco controlada na sua totalidade pelo
BPI. Nos últimos 10 anos, esta instituição foi responsável por
oito dos buyouts que se fizeram em território nacional. Em
Portugal, este tipo de operações representa apenas cerca de oito
por cento do total de transacções. "São extremamente reduzidas,
ao contrário do que se passa na Europa e nos EUA, onde têm um
peso significativo. Era desejável que tivessem aqui um
crescimento muito forte e julgo que até há instrumentos para
isso. Não sei é se estão suficientemente divulgados", lamentou.
Tendo em conta que grande parte dos oradores do 5º VCIT
desconhecia a existência do Mercado de Iniciativas de Valor
Empresarial (MIVE), do Procedimento Extrajudicial de Conciliação
(PEC) e do Sistema de Incentivos à Revitalização e Modernização
Empresarial (SIRME), a dúvida de Rui Ferreira não podia ser mais
legítima. Apesar da fraca divulgação ser mais um grão de areia
na engrenagem do sistema, não é, no entanto, o problema maior.
"A apetência para o risco, se calhar, não é aquilo que queríamos
que fosse e as empresas de capital de risco precisam
desesperadamente de pessoas com essa apetência. Faltam pivots
que corporizem projectos de buyout", sublinhou.
Apesar da pressa evidenciada por muitos, Alex Pegley, presidente
da DSG Venture Capital, uma sociedade de capital de risco
inglesa, aconselhou os agentes do mercado a terem calma, não vá
acontecer-lhes o que sucedeu aos proprietários de uma empresa
que comercializava carpetes quando decidiram iniciar um negócio
na área do software. "Eles precisavam de fundos e de meios. O
capitalista de risco deu-lhes o dinheiro e não fez mais nada.
Esta má escolha de parceiro acabou por afectar-lhes o negócio
original", referiu Alex Pegley, momentos antes de defender que
aquela abordagem deve ser sempre ditada pela estratégia. "Te mos
de saber estabelecer as parcerias certas, ter paciência e não
querer dar saltos enormes", salientou.
Excesso de burocracia limita número de operações
Mais bem sucedido foi o caso da Dynargie Portugal. Em 2002, um
grupo constituído por cinco sócios constituiu a holding Hand
Team SGPS e concretizou um management buyout, passando a gerir
directamente as operações que a multinacional suíça de
consultoria e formação em que até aí estava integrada realizava
em Portugal, em Espanha e no Brasil. Numa fase inicial, o grupo
começou a negociar a aquisição com uma sociedade de capital de
risco, mas o processo foi abortado antes de concluído, muito por
culpa de outro dos grandes males portugueses, a burocracia, que
também afecta este sector. "Esperávamos mais banqueiros e menos
bancários", acusou João Pargana, managing partner da empresa
que, em 2004, teve um volume de negócios na ordem dos 2,15
milhões de euros.
"As sociedades de capital de risco devem apostar tanto ou mais
nas pessoas do que no negócio – porque é possível embelezar e
empolar os lucros – e ver para além da moda, porque quando se
fala em capital de risco pensa-se muito nas tecnologias de
informação e o mundo não se pode reduzir a isso", fez ainda
questão de sublinhar.
"O enfoque deve estar em fazer investimentos maiores e mais
maduros", alertou também Abelardo Lopez. O gestor de
investimentos da 3i Private Equity, uma das maiores sociedades
de capital de risco europeias, que já realizou três buyouts em
Portugal, diz que essa tem sido, pelo menos, a tendência nos
EUA, onde se tem assistido a uma disputa cerrada por negócios de
maior dimensão. "O montante investido em venture capital
financing aumentou de 18,9 mil milhões de dólares em 2003 para
20,4 mil milhões em 2004. E, desse montante, cerca de 13,3 mil
milhões – em 2003 o valor foi de 9,2 – foram canalizados para
negócios ligados às ciências da vida. Esta foi a área que
registou um maior crescimento nos EUA", afirmou Gerry Cater,
que, em nome da Wilmer Cutler Pickering Hale and Dorr, tem
acompanhado muitos dos investimentos em fundos de private equity
públicos e privados que por lá têm sido realizados.
Brasileiros querem regulamentação semelhante à portuguesa
Menos entusiasmado com o actual estado de coisas está Luiz
Figueiredo, que representou a Associação Brasileira de Private
Equity & Venture Capital (ABVCAP) no 5º VCIT. Hoje, dez anos
depois da captação do primeiro fundo local brasileiro, os
últimos sinais continuam a apontar para uma retoma "muito
tímida", depois da grande desvalorização que assolou o sector em
1999. Nos últimos três anos, ao contrário do que acontece em
Portugal, assistiu-se a uma especialização dos fundos, mas o
sistema fiscal que aí domina tem-se mostrado inibidor. "Em
Portugal, o valor anda próximo do zero, mas no Brasil 20 por
cento dos ganhos realizados com a operação são pagos em
impostos, existem restrições na saída e existe uma cultura
negativa em relação à pouca disponibilidade de capital semente",
criticou.
Luiz Figueiredo acredita, no entanto, que a promulgação da que
ficou conhecida como a Lei da Inovação – a nº 10.973, de 2 de
Dezembro de 2004 – que facilita a constituição de spin-outs a
partir das universidades e a criação de 12 novos fundos em
várias regiões do país pode dinamizar o mercado primário de
private equity brasileiro. "Os fundos de pensão começam a
demonstrar um maior interesse em investir neste sector",
revelou.
Desse interesse não se gaba, contudo, Fernando Valbuena,
vice-presidente da Associação de Jovens Empreendedores da
Estremadura espanhola, que, na recta final do congresso, apesar
das muitas críticas à insustentabilidade do desenvolvimento
económico espanhol, à elevada inflação e à "crise institucional
gravíssima" que por lá se vive, apelou aos empresários
portugueses para investirem na sua região. "Nós somos uma terra
de empreendedores, mas precisamos de investidores. Para termos
lá a mesma proporção de empresários que têm outras regiões da
Europa, necessitaríamos de 20.000 novos empresários", sublinhou.pe
Portugal tem tido uma evolução "atípica" |
A Associação Portuguesa de
Capital de Risco e de Desenvolvimento (APCRI) aproveitou o
VCIT – 5º Congresso Internacional de Capital de Risco para
traçar a "atípica" evolução do sector nos últimos três
anos. Durante aquele período, e após a forte quebra
registada em 2002, o número de operadores aumentou 31 por
cento e o de fundos sob gestão cresceu 54 por cento.
Ao contrário da banca, que tem vindo a reduzir o seu
investimento nesta área, o Estado e as novas sociedades de
capital de risco aumentaram o seu número de operações. Mas
enquanto que, lá fora, o volume de buyouts não tem parado
de crescer, em Portugal isso não tem acontecido. E não é
só aqui que ambos os mercados têm divergido.
"Em Portugal, o cenário vai algo ao arrepio do que se
passa na Europa e isso deve dar-nos que pensar", referiu,
durante a sua intervenção, João Arantes de Oliveira,
presidente da APCRI.
"Na Europa tem havido uma tendência para que haja um único
round de financiamento, ao contrário do que acontece aqui,
em que as operações iniciais representam apenas cerca de
50 por cento da área de actividade e a nossa estrutura de
levantamento de fundos é totalmente diferente da que lá
existe", acrescentou ainda. |
Fonte:
Portal Executivo
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