Entrevista de Francisco Banha à revista exportar (revista de comérico internacional) - Março/Abril 2007
 
 

Francisco Banha tornou-se uma referência no meio empresarial português. É fundador e presidente da Gesbanha, Gesventure e da GesEntrepreneur, assim como da recente Federação Nacional das Associações de Business Angels em representação do Business Angels Club, que lidera desde 1999. Tem uma carreira, nomeadamente docente, dedicada ao empreendedorismo e o seu envolvimento activo com a consultoria económica e financeira demonstra - não por palavras mas por actos - que vale a pena investir em recursos de capital humano e projectos inovadores, sobretudo quando liderados por jovens empreendedores. O capital de risco tornou-se uma das suas bandeiras, contribuindo de forma decisiva para o estreitamento de relações bem sucedidas entre empreendedores e investidores. Escreveu sobre esta actividade dois livros que são de leitura indispensável – “Capital de Risco – Os tempos Estão a Mudar” e “Capital de Risco – O Impacto da Fiscalidade” publicados, respectivamente , pela Bertrand e pela Vida Económica.
 

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O que é que mudou no capital de risco português?

Muita coisa mudou neste domínio nomeadamente a ideia existente que o capital de risco se resume apenas aos investidores que colocam capital em determinados projectos, qualquer que seja o estágio de desenvolvimento ou maturação destes. Contudo o capital de risco é muito mais que isso ao ser uma indústria que envolve vários players, desde os investidores aos empreendedores, passando pelos catalizadores do investimento, as empresas de consultoria, os meios de comunicação social, as incubadoras de empresas, os organismos de Estado – um todo cuja complexidade não pode ser tratada com superficialidade. É preciso sublinhar que todos estes actores são partes de um ecossistema complexo, que demonstraram também no nosso país que não basta haver só empreendedores e investidores para que as coisas aconteçam.

Verifica-se uma nova atitude por parte dos investidores?
Nos últimos dois anos o que mudou foi sobretudo a atitude dos investidores, que é agora mais empreendedora e pró-activa, numa lógica de “full risk “, nomeadamente por parte das SCR onde o IAPMEI, detém um controlo accionista maioritário como é o caso da PME Investimentos. Esta mudança fez incidir o foco de investimento nas fases iniciais dos projectos – “seed e start-up” - privilegiando os negócios suportados por empreendedores qualificados e em sectores de forte componente inovadora como sejam as biotecnologias e as tecnologias de informação e de comunicação.

Pode traduzir o que está a acontecer em números?
Em 2003 foi criado o Fundo de Sindicação de Capital de Risco, que foi dotado com cerca 50 milhões de euros. Posteriormente foi reforçado com mais 20 milhões, perfazendo um total de 70 milhões de euros. Durante o período compreendido entre Fevereiro de 2003 e Agosto de 2004, esses montantes encontravam-se aplicados em fundos de tesouraria, o que quer dizer que não estavam a ser utilizados para os fins a que se destinavam.

O capital de risco é mais do que a existência de dinheiro?
Tem de haver predisposição, por parte de quem detém um fundo de investimento, para investir em projectos que tenham algum risco associado. Ora foi precisamente o que aconteceu nos últimos dois anos, período em que se realizou um conjunto de investimentos que utilizou uma parte significativa desses 70 milhões de euros. Isso permitiu apoiar o arranque de cerca de uma centena de novos projectos empresariais nas fases iniciais de desenvolvimento (seed e start-up). A PME Investimentos investiu em mais de 50 projectos durante este período, em sindicato com outras entidades de capital de risco, como o Banif Capital e a Beta, Sa entre outras. Isto fez com que em dois anos o mercado ganhasse um novo fôlego. Afinal havia empreendedores portugueses com projectos sustentados e dotados de uma boa equipa de management, para os quais, no entanto, não havia até ali qualquer oferta, por parte dos operadores de capital de risco, que os viabilizasse.

Isso permitiu o efeito de demonstração no mercado?
O efeito foi imediato. Esses 100 projectos não tinham surgido por geração espontânea, já andavam a ser maturados há anos, quer do ponto de vista técnico-científico quer por parte dos empreendedores, que neles tinham detectado uma boa oportunidade de negócio. Perante a oferta das operadoras de capital de risco, decidiram apresentar os seus projectos. Eu próprio, que andava no mercado desde 1999 e que nunca tinha conseguido apoiá-los na angariação de capital, pois as capitais de risco não se mostravam dispostas a fazer este tipo de investimentos, fiquei surpreendido com a mudança. A partir do momento em que alguém – neste caso a PME Investimentos, que depois foi seguida pela PME Capital – provocou o efeito de demonstração no mercado, através da concretização do financiamento destes projectos, todo o processo se desencadeou. Mesmo a nível europeu esta situação está a ter repercussões porque, entre outras coisas, permitiu que uma parte desses projectos passasse a ser conhecida a nível internacional.

Sempre houve capital de risco no país?
Ao contrário de que muitos têm afirmado, em Portugal sempre houve capital de risco. O capital de risco tem duas vertentes: uma, relacionada com aquilo que normalmente designamos como capital de expansão (que em linguagem internacional se designa por private equity , e outra, que é o capital para as fases iniciais seed e start-up, que se designa na mesma linguagem por venture capital. Entre nós, private equity e venture capital são praticamente sinónimos. Seja como for, sempre houve capital para os projectos de expansão. Alguns exemplos: o Grupo Sumolis quis comprar a Compal, uma operação de muitos milhões de euros, e teve por isso necessidade de recorrer a capital de risco através da Sociedade de Capital de Risco do Grupo CGD, que colocou 100 milhões de euros nesse projecto; o Grupo Pestana, iniciou o seu processo de internacionalização, nomeadamente para Moçambique, através de capital de risco, o mesmo tendo acontecido quando avançou para o Brasil; o Grupo Logoplaste fez a aquisição de duas fábricas no Reino Unido com capital de risco português, em que entraram 10 milhões de euros da API Capital, tendo estas duas aquisições acrescentado 26 por cento à operação da Logoplaste no Reino Unido e 6 por cento ao seu volume de negócios global; o grupo Visabeira reforçou o seu processo de internacionalização, com os seus projectos em Angola e Moçambique, recorrendo ao capital de risco. Em Portugal sempre houve dinheiro para os projectos de expansão.

O que faltava então?
Aquilo que nunca houve. O que agora é realmente novo, é a recente aposta, nomeadamente por parte das operadoras de capitais públicos, nas fases “seed e start-up” . Esta aposta era essencial, sobretudo em termos da relação entre capital de risco e inovação. Até porque não se pode fazer a diferença no mundo da globalização, se não se apostar naquilo que é o “Conhecimento”. Ora esta nova indústria opera através da inovação, em particular da inovação disruptiva, como o computador pessoal, os serviços móveis e as consolas de jogos, que provocam novas necessidades no mercado e consequentemente novos consumidores. Porém, este potencial inovador não se encontra nos grandes grupos económicos, que se encontram bem posicionados no mercado em negócios maduros, mas sim nos projectos com as características daqueles em que foram feitos investimentos “seed e start-up”, como as biotecnologias e as tecnologias de informação. Grandes marcas a nível mundial, como o Google, o Skype ou o Youtube, foram financiadas com capital de risco. Os que estão hoje a fazer realmente a diferença, como a Amazon ou o eBay, tiveram sempre por detrás (tal como no passado aconteceu com a Cisco, a HP ou a Microsoft) o capital de risco, sobretudo nas fases iniciais dos respectivos projectos.

Como se pode avaliar o impacto desta nova estratégia de investimento?
Basta dizer que nos últimos dois anos, o número de projectos em fase de “seed e start-up “ em Portugal foram superiores aos projectos em fase de expansão e management buy-out, algo que nunca tinha acontecido. Antes o investimento incidia nos projectos financiados em fase de expansão, onde o risco era menor e havia maior capacidade no retorno do investimento.


 


Será que esta dinâmica é sustentável?
Penso que sim. Primeiro, porque vamos ter um novo Quadro Comunitário de Apoio, que vai reforçar a aposta na competitividade, no empreendedorismo, na inovação e no capital de risco. As próprias indicações da Comissão, a nível político, vão no sentido de se criarem condições para a aposta nas fases “seed e start-up”, nomeadamente através da criação de fundos públicos para essas áreas. Acredito também que neste espaço se venha a mobilizar a comunidade dos investidores informais (business angels), que tem estado bastante inactiva em Portugal, sobretudo porque não existia um enquadramento jurídico e fiscal favorável à actividade desenvolvida por este importante tipo de investidores.

Compara-se muito o que se investe em Portugal e em Espanha em termos de capital de risco. Estamos a falar de quê?
Em Portugal, em 2005, investiu-se aproximadamente 244 milhões de euros e em Espanha investiu-se 4 mil milhões de euros. No primeiro semestre de 2006, em Portugal investiu-se 56 milhões de euros e em Espanha mil milhões de euros. Contudo, temos em Portugal um potencial de evolução bastante significativo, mas é necessário apostar nele. Em 1986, quando o capital de risco iniciou a sua actividade entre nós, existiam 20 operadores de capital de risco, mas em Espanha, à mesma data, existiam pouco mais de 20 sociedades de capital de risco. Mas em Espanha, existem actualmente 124 empresas de capital de risco e em Portugal, apenas 22 empresas, incluindo as de capital público.

O que é que isso significa?
Empreeendedorismo e capital de risco, são expressões que estão na moda e que podem dar votos. Mas é essencial haver boas práticas nesta matéria, tanto mais que o modelo económico português, assente nas exportações a baixo custo, está esgotado. Só podemos diminuir a distância que nos separa dos países que estão a evoluir mais depressa do que nós, se apostarmos num novo tipo de projectos. Claro que gostaríamos de ter mais fábricas de automóveis em Portugal, mas isso é cada vez mais utópico, pois actualmente há países que têm condições mais atractivas, do que as nossas, para captar este tipo de investimento.

Portugal deve fazer outras apostas?
Devemos apostar numa nova geração de empreendedores (como professor universitário constato que ela surge pouco a pouco), mentalmente muito mais aberta e preparada para fazer face aos desafios de uma conjuntura de globalização. Um exemplo: um dos projectos que apoiei, angariando capital, foi o da Bioalvo, na área da biotecnologia, especializada nas fases iniciais de desenvolvimento de novos biofármacos e terapias para doenças neurodegenerativas, com especial relevo para a diminuição dos efeitos relacionados com a doença dos pezinhos. Os empreendedores conseguiram angariar 1,3 milhões de euros na SCR , PME Investimentos, o que muito contribuirá para ajudar a diminuir os efeitos relacionados com a doença dos pezinhos. Contudo, vejamos as diferenças: um projecto similar apresentado posteriormente, nos EUA, conseguiu obter por parte dos investidores americanos de capital de risco, 5 milhões de euros contra os citados 1,3 milhões de euros…

De que modo se articula o capital de risco com a exportação?
Muitos destes 100 projectos que mencionei encontram-se numa fase de teste à escala nacional mas em caso de sucesso o seu mercado natural será à escala global. A PME Investimentos e o Fundo Madeira Capital investiram na produção de um video game destinado à consola X-BOX, realizado por dois jovens da Madeira, que se encontra neste momento a ser avaliado por editoras internacionais tendo em vista a sua comercialização à escala global. O negócio da Alfama, uma “start-up” farmacêutica focada no desenvolvimento de pequenas moléculas e medicamentos anti-inflamatórios – e em que foram investidos 3 milhões de euros - será implementado a nível global. A Biotecnol (biotecnologia) e a BioTrend (indústria alimentar) são projectos de escala global. É preciso ver que não estamos a falar de projectos tradicionais (têxteis, calçado, máquinas), estamos a falar de capital intangível ou seja de Capital “Conhecimento”.

Tem mais casos de sucesso?
A OutSystems, que contou com um investimento de 2,2 milhões de euros por parte da PME Investimentos, tem aplicações na área das TIC para o mercado global. A Chipidea, outra empresa portuguesa da área das TIC, tem toda a sua produção voltada para exportação. Recebeu 5 milhões de euros de investidores internacionais e mais recentemente recebeu 5 milhões de euros da ES Ventures do Banco Espírito Santo. Sem o apoio de capital de risco , dificilmente esta empresa estaria, a fazer a diferença, no mercado internacional.

O capital de risco é decisivo?
Qualquer um destes projectos nunca poderia entrar no mercado internacional e exportar, se não tivesse capital de risco. Se quisermos exportar calçado ou têxteis, temos que investir em máquinas e tecnologias inovadoras, para produzir um produto tangível e de qualidade. Mas aqui estamos a falar de produtos intangíveis, que precisam de uma fase de investigação longa, e que não se compadece com empréstimos bancários, leasings ou letras de favor. É uma investigação que precisa de fundos de maneio iniciais significativos que só podem ser suportados com investimentos de capital de risco. No entanto, para o investidor, o retorno pode ser muito elevado.

Qual será no futuro o peso das indústrias tradicionais relativamente a estas novas indústrias?
Diria que durante os próximos anos o peso das exportações irá continuar a depender, como é óbvio, das indústrias tradicionais, mas claramente o tradicional terá de ser mais inovador, deverá incorporar melhorias incrementais diferenciadoras, como está a acontecer no calçado, nos têxteis ou nos moldes. No entanto temos todas as condições a nível das nossas universidades e comunidades científicas, para competir nesse novo mercado global em matéria de conhecimento e massa cinzenta . Porém, tudo depende do que estamos dispostos a investir, o que quer dizer que precisamos de mais empreendedores motivados pelo capital de risco. Muitas das boas empresas portuguesas que estão a fazer a diferença no mercado internacional (Pestana, Visabeira, Logoplaste, Quintas e Quintas, entre outras) têm vindo a fazer o seu percurso internacional via capital de risco.

Neste processo, qual é o papel do Management Buy-Out?
Temos estado a falar do empreendedorismo de base tecnológica com origem na comunidade académica, mas há um outro tipo de empreendedorismo que tem que ser rapidamente potenciado: as operações de Management Buy-Out. Ou seja, há muitas empresas em Portugal, com vocação exportadora, mas cujos fundadores esgotaram a capacidade de inovar e investir. Mas haverá certamente nessas empresas gestores, que embora não tendo capital, têm no entanto conhecimento para introduzir algo de diferente no seu processo produtivo, em áreas como a gestão, a logística ou o marketing. Se tiverem a capacidade de se assumirem como protagonistas podem encontrar junto dos investidores de capital de risco um suporte para introduzirem nessas organizações novos modelos que lhes permitam penetrar em melhores condições no mercado internacional.

Ir à banca ou ao capital de risco, eis a questão…
Quando estamos a falar de capital de risco, estamos a falar de negócios que têm como objectivo alcançar com rapidez volumes de negócios e quotas de mercado significativos. São empresas que descobriram um novo produto ou um modelo diferente de negócio, que podem provocar uma grande oportunidade de crescimento. O recurso ao capital de risco é um modo de financiamento na área do capital próprio. O banco é sempre credor, enquanto que o capital de risco entra como um accionista que acredita no projecto e no mercado embora saiba que pode correr riscos. Por outro lado, há também um período inicial em que o negócio não liberta meios para pagar o crédito, o que não interessa à banca. Por exemplo, na área da biotecnologia, durante os primeiros três a quatro anos, o negócio não liberta meios de pagamento ao passo que o investidor de capital de risco tem noção dessa inevitabilidade pois acredita que a mais valia que irá obter será bastante superior a esses encargos financeiros .

A aposta do governo no desenvolvimento tecnológico estimula o capital de risco?
O Governo criou com o Plano Tecnológico um novo “Desígnio Nacional “ para que Portugal consiga vencer na Sociedade do Conhecimento, i.é, no novo Paradigma. Este é um comboio que Portugal não pode perder. Não podemos correr o risco de tudo não passar, afinal, de um mero “desígnio”. Já não somos competitivos em sectores em que outros o são, porque apresentam condições mais atractivas para o investimento, seja na indústria automóvel seja noutras indústrias tradicionais. Mas em contrapartida temos todas as condições para sermos competitivos na emergente Sociedade do Conhecimento. É precisamente aqui que entra a necessidade de financiamento dos projectos e o apoio do capital de risco empreendedor. O presidente da Microsoft, Bill Gates, ainda recentemente falou da Sociedade do Conhecimento e disse, a propósito, que as escolas secundárias dos EUA são obsoletas, pois ainda estão a formar jovens para integrarem a universidade na óptica do estágio industrial da economia. Imagine-se então quão obsoleto não estará o ensino secundário em Portugal. É necessário implementar no ensino o empreeendedorismo com base na metodologia do learning by doing. Para que haja mudança real, é urgente criar uma cultura empreendedora, do ensino secundário até à universidade.